terça-feira, 20 de março de 2012

O crime do Padre Amaro - síntese da obra de Eça de Queiroz


          Nesse romance, de sua fase mais influenciada pelo naturalismo, Eça de Queirós
ataca a corrupção do clero e a hipocrisia da média burguesia portuguesa, questionando seus valores morais


Publicado pela primeira vez em 1875,

O Crime do Padre Amaro denuncia a corrupção dos padres, que manipulam a população em favor da elite, e a questão do celibato clerical. É com esse livro que Eça de Queirós inaugura, na prosa, a estética do realismonaturalismo em Portugal. A obra caracteriza-se pelo combate ao idealismo romântico que se estabelecia até então, em prol de uma visão mais crítica da sociedade. Sua versão
definitiva foi publicada em 1880.


ROMANCE DE TESE


O Crime do Padre Amaro

é o primeiro romance de Eça. Em vez da subjetividade


romântica, os autores do realismo-naturalismo, como o próprio nome da escola literária

indica, buscavam retratar a realidade de forma objetiva.

Naquela época (segunda metade do século XIX), o Ocidente vivia um período de

grandes transformações, com a Segunda Revolução Industrial. O cientificismo passou a

predominar, com novas correntes filosóficas e teorias, entre as quais o positivismo de

Comte, o determinismo de Taine, o evolucionismo de Darwin e o socialismo científico

de Marx e Engels. Essa perspectiva racionalista e materialista leva os intelectuais a

estudar o impacto social da industrialização e do liberalismo.

Passam a ser discutidas as desigualdades que essas mudanças trouxeram para a

sociedade, como o surgimento de uma nova classe que é oprimida pela burguesia: o

proletariado.

Daí a substituição do romance de entretenimento pelo romance de tese, que visa a

descrever e a explicar os problemas sociais sob a luz das novas idéias. Neles há a crítica,

muitas vezes feroz, às instituições que servem de base para a sociedade burguesa, como

o Estado, a Igreja e a família.

Portugal, que muito tempo antes havia deixado de acompanhar o progresso de outras

nações européias, passa nesse momento a servir de palco para a mobilização de jovens

que ansiavam por mudanças radicais. É nesse contexto que Eça de Queirós começa a se

destacar. Em sua fase realista-naturalista, inspirado pelos franceses Gustave Flaubert e

Émile Zola, escreve romances como

O Crime do Padre Amaro e O Primo Basílio, que


buscam atacar a corrupção do clero e a hipocrisia da média burguesia portuguesa.


NARRADOR


A narrativa é em terceira pessoa e o narrador tem onisciência, ou seja, conta a história

com conhecimento dos pensamentos e das ações dos personagens. Isso facilita o

processo de distanciamento entre o autor e a obra. Apesar disso, é possível perceber a

antipatia que Eça sente por vários dos tipos retratados, em especial os padres e as


beatas, por causa da ironia e dos adjetivos rudes, muitas vezes grosseiros, que utiliza em

suas descrições. Isso é revelador de uma postura anticlerical, comum entre os escritores

realistas.


TEMPO E ESPAÇO


A maior parte da narrativa concentra-se em uma província chamada Leiria, sede do

bispado para onde o padre Amaro consegue transferência. O tempo compreende os anos

de 1860 a 1870, aproximadamente, e se desenvolve de forma cronológica, linear, com

eventuais voltas ao passado, quando o autor, após apresentar alguns dos personagens,

conta a história de Amaro e de como ele se tornou padre.


ENREDO


Após perder os pais, que serviram à marquesa de Alegros, Amaro cai nas graças da

mulher, que o toma como agregado, planejando criá-lo para o sacerdócio. Isso acaba se

efetivando, apesar da ausência de vocação e de interesse do jovem, que, desde cedo,

possuía uma índole libidinosa. Triste e resignado, Amaro se ordena padre, sempre

tentando conter os fortes impulsos sexuais que sente.

Embora temesse a Deus e fosse devoto, odeia a vida eclesiástica que lhe fora imposta.

Depois de exercer seu ofício em uma província interiorana, consegue, por influência da

condessa de Ribamar – filha de sua protetora, a marquesa –, mudar-se para Leiria.

Nesse ponto, Eça descreve como os interesses do clero estão atrelados aos interesses

políticos. É o marido da condessa quem intervém junto a um ministro para solicitar ao

bispo a transferência de Amaro, apesar de sua pouca idade, para a sede do bispado.

Em Leiria, o jovem padre aceita a sugestão do cônego Dias para morar em um quarto

alugado na casa da senhora Joaneira – com quem Dias mantinha um caso –, auxiliando,

em troca, nas despesas da casa. O quarto de Amaro fica exatamente embaixo do de

Amélia, filha da dona da casa. Já no primeiro contato, Amaro e Amélia sentem forte

atração mútua, que se desenvolve aos poucos e provoca o desinteresse da moça por João

Eduardo, de quem era noiva.

O fato que desencadeia a ofensiva de Amaro sobre Amélia é algo que o jovem padre

presencia: certo dia, ao chegar à residência da senhora Joaneira, encontra-a na cama

com o cônego Dias. A partir daí, apesar de ter mudado de casa, Amaro vai perdendo os

escrúpulos e se deixa levar pela atração sexual, seguindo o exemplo de seu antigo

mestre.

O autor, além da crítica feroz que desfere contra o clero, toca também em outro tabu da

época: a sexualidade.

É comum que os escritores vinculados à corrente naturalista, como era Eça na época em

que escreveu esse romance, dêem ênfase ao erotismo que domina os personagens. Isso

faz parte de sua caracterização, como apregoa o determinismo de Taine, segundo o qual

os seres humanos são submetidos ao condicionamento pela herança, pelo meio social e

pelo contexto histórico, que regem seu comportamento. Isso significa que, embora os

personagens tentem, num primeiro momento, se prender a um padrão moral mediado


pela consciência, acabam agindo pelos impulsos naturais de sobrevivência da espécie,

principalmente o desejo sexual.

João Eduardo, enciumado, publica anonimamente no jornal local um artigo em que

denuncia a imoralidade de alguns padres de Leiria, especialmente de Amaro. Esse fica

indignado e passa a evitar Amélia — pensa até mesmo em abandonar o sacerdócio. No

entanto, os padres descobrem o autor do texto polêmico e levam João Eduardo a deixar

a cidade.


GRAVIDEZ E MORTE


É nesse momento que, no auge do desejo, Amaro e Amélia trocam o primeiro beijo.

Para facilitar a sedução, Amaro se torna o confessor de Amélia, o que revolta João

Eduardo, levando-o a dar um soco no pároco na rua. Após retirar a queixa contra seu

agressor e ser visto como um santo pelas beatas (entre as quais Amélia), Amaro conduz

a jovem para seu quarto e os dois têm a primeira relação sexual.

A nova criada do padre, Dionísia, alerta para o perigo dessa exposição e lhe recomenda

que ache um local secreto para os encontros amorosos. A solução é a casa do sineiro da

igreja, o Tio Esguelhas, deficiente que vive com uma filha, Antônia, a Totó. A desculpa

para os encontros é a preparação de Amélia para se tornar freira e também ler textos

religiosos a Totó.

O fascínio que Amaro exerce sobre Amélia é cada vez maior, até que ela começa a ter

crises de consciência. A pedido da senhora Joaneira, o cônego Dias investiga o caso e

fica sabendo, por meio de Totó, o que ocorria entre seu pupilo e a moça. Após uma

discussão e trocas de acusações entre os dois, porém, o cônego e o padre passam a se

tratar como sogro e genro.

Amélia então engravida, o que leva Amaro ao desespero. Com o cônego Dias, decidem

casá-la com João Eduardo quanto antes. Ela se revolta com a idéia, mas acaba

aceitando, o que faz com que o padre amante sinta ciúme. Para consolá-lo, decidem,

então, continuar os encontros amorosos após o casamento.

O ex-noivo de Amélia, contudo, não é encontrado, o que os leva a buscar outra solução,

já que fica cada vez mais difícil ocultar a gravidez. A histeria da moça aumenta, até que

optam por enviá-la ao subúrbio para cuidar de dona Josefa, beata enferma irmã do

cônego, enquanto os outros passam uma temporada na praia.

Entristecida por se separar da mãe e pelo abandono de Amaro, que permanece em

Leiria, Amélia fica angustiada e entra em profunda crise. A situação é agravada pela

censura de dona Josefa. A jovem encontra consolo então no bom abade Ferrão, um dos

poucos personagens apresentados como íntegros na narrativa. Ele ouve a confissão de

Amélia e a aconselha a superar a atração que ainda sente pelo padre. Amaro, ao saber

disso, cego de desejo e ciúme, procura mais uma vez Amélia, que não resiste e se

entrega novamente. O abade, por outro lado, tenta inutilmente unir a moça com o

reaparecido João Eduardo, ainda apaixonado por ela.

O momento do parto se aproxima, e Amaro é aconselhado por Dionísia a enviar o bebê

a uma “tecedeira de anjos”, mulher que mata recém-nascidos indesejados. Nasce a

criança, que o pai leva à ama encarregada de fazer com que desapareça, em troca de

pagamento.

Amélia não resiste e, pouco tempo depois, sofre de convulsões e morre. Amaro, triste

por causa da morte da amante, tenta recuperar o filho, mas é tarde. A criança já havia

sido morta. Traumatizado, ele sai de Leiria e é transferido. Em Lisboa, buscando de

novo a ajuda do conde de Ribamar, reencontra o cônego Dias. Ambos concluem que o

remorso sentido pelo caso havia sido superado. Afinal, “tudo passa”.

Nenhum comentário:

Postar um comentário