quinta-feira, 7 de junho de 2012

A guerra da donzela - Nilto Maciel



A guerra da donzela




Entrevista concedida por Nilto Maciel a Jonathan Ferreira, aluno da disciplina Literatura Cearense do curso de Letras da Universidade Estadual do Ceará



1. Em que se baseia o enredo, existe algum contraste com a vida real?

Resposta (R) – O enredo de A guerra da donzela se baseia em outros enredos: de romances antigos, de histórias ouvidas, contos de fada, fuxicos, mentiras. Na verdade, minha intenção era escrever um longo romance que contasse histórias muito velhas (anteriores ao descobrimento do Brasil) até minha juventude, uma cadeia de histórias familiares, domésticas, de personagens inventados, mas que representassem o povo do Ceará.



2. Os personagens Francisco Sombra e Antônio foram retirados de que contexto?

R – Quando menino, eu olhava e ouvia as pessoas na rua, dentro de minha casa, nas igrejas, e imaginava outras. Depois passei a ler romances: José de Alencar, Eça de Queirós, Camilo Castelo Branco, etc. Dessa mistura, nasceram meus personagens.



3. Comente sobre a figura do Padre na novela?

R – Gosto muito de fazer caricatura de pessoas ou personagens. Para mim, as pessoas não são exatamente como se veem ou se mostram. São mais ridículas. Quando menino, eu via padres de muito de perto. Trabalhei com alguns deles, como ajudante de missa.



4. Qual assunto principal da novela o senhor acha marcante?

R – Acho que a história trata de repressão sexual e outras repressões. Aquela vidinha no interior no início do século XX. Tudo imaginado, porque não vivi isso. Mas sei das repressões pela Igreja, pela família, pela moral, pelos costumes, pela tradição. Tudo isso que é abominável e muita gente acha que era lindo, maravilhoso.



5. Qual característica regional o senhor acredita ser mais marcante? Pode citar alguma?

R – A linguagem que conheci (de ouvir) eu tento reproduzir no romance. Os personagens também são muito locais. A paisagem de Palma é a de Baturité, recriada. O tema da repressão é também regional.



6. Quem representa Mirtes no primeiro capítulo: a mulher violada; desonrada, repudiada? Cite exemplos. Que comparação o senhor faz com a vida real?

R – Mirtes é uma das vítimas da repressão sexual. A mulher não tinha direito a nada, a não ser a ser capturada como presa, raptada, violada. E, se não se casasse, estaria perdida até a morte. Viraria prostituta (rapariga, quenga, mulher da vida, etc). Isso era a realidade. Embora meu romance não seja reportagem e, muito menos, “baseado em fatos reais”, na essência, é baseado na vida real e, por isso, realista. Mesmo quando aparecem animais enormes, ainda assim tudo é real. Porque a distorção da realidade pelos personagens é fruto da própria repressão.





7. Qual o público alvo do seu livro?

R – Nunca escrevo pensando em leitor hipotético ou ideal. Escrevo pensando nos personagens, como se eles vivessem de verdade. Eu quero contar a história deles para mim e para quem quiser ler. Sei que escrevo para o futuro, não para hoje ou amanhã. Desculpem a imodéstia. Se não quiserem ler o que escrevi, nem lamentar poderei, porque estarei morto.



8. A que se deve a busca incansável da donzela?

R – Acho que é do ser humano buscar o que e quem se perdeu, o que se extraviou.
A busca incansável é a própria trama da novela. Buscar a donzela perdida (ou raptada) seria uma forma de provar que tudo era real. Porém, ninguém sabe (nem eu) se aconteceu mesmo o rapto da donzela. Pode ter sido apenas um boato. Só para constituir uma história. Disso é feita a literatura.



Fortaleza, 11 de maio de 2012.

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